sexta-feira, 18 de março de 2016

Qual o efeito da liminar que suspendeu a nomeação de Lula?

            Tenho escutado manifestações jurídicas acerca das liminares que foram deferidas ontem (17 de março) que suspenderam o ato de nomeação do ex-presidente Lula ao carco de Chefe da Casa Civil.

            Dentre essas manifestações, a AGU (Advocacia Geral da União) diz que o ex-presidente Lula é o chefe da Casa Civil, portanto, equiparado a Ministro de Estado
podendo gozar  das benesses do cargo público, dentre elas a prerrogativa de foto, porém está impedido de praticar atos do cargo em virtude da liminar.

            Com a devida vênia, esse pensamento é totalmente ilógico, pois como visto a decisão suspendeu o ato de nomeação de Lula como chefe da Casa Civil, ou seja, a nomeação não produzirá seus efeitos até que seja julgado o processo, momento em que será decido pela nulidade ou legalidade da nomeação. Até lá essa nomeação não produzira qualquer efeito, sendo o Lula um simples cidadão sem prerrogativa de foro.

            Passemos a analise das decisões.

            O judiciário foi invocado a se manifestar quanto a ilegitimidade do ato que nomeou Lula para o cargo de “Ministro de Estado”, sob a alegação de que o ato fere os postulados constitucionais e os princípios norteadores da administração pública, conquanto teria “por objetivo, tão somente, conceder-lhe o foro privilegiado, inerente ao cargo, tipificando ‘escolha de Juízo’ (Juíza Regina Coeli Formisano, 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro).

            Para a Juíza da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro: “foi amplamente divulgado pela mídia nacional que a intenção da presidente da República, era, exatamente ‘blindar’ o ex-presidente e redirecionar os processos referentes à Operação Lava Jato para o Supremo Tribunal Federal, uma vez que naquela Corte, sete dos 11 ministros atuantes foram indicados pelo partido do governo”.

            E continua: “Longe desta Magistrada julgar tão ilustres ministros, como se estes fossem descurar da lei e atuar politicamente em favor dos que os escolheram para tão relevante cargo na nação brasileira. No entanto, tal proceder fere de morte o princípio constitucional do juiz natural e o sistema jurídico brasileiro...” .

            Por fim a magistrada frisa que não seria razoável “que a presidente da República deste país, tente obstruir o curso da Justiça em qualquer grau de jurisdição.”

            Ao final da decisão a MM. Juíza reconhece que a intenção da nomeação de Lula seria para que este obtenha a prerrogativa de foto (foro privilegiado). Com isso foi concedida a liminar para sustar o ato de nomeação.

            Esse também foi o entendimento do Juiz Itagiba Catta Preta Neto, que reconheceu no ato de nomeação de Lula a intenção de favorecimento pessoal para aquisição de prerrogativa de foro, inclusive chega a oficiar o Procuradoria Geral da República e o presidente da Câmara dos Deputados para apurar eventual pratica de crime por parte da presidente da República.
            Conforme se verifica pelas decisões, ambos os magistrados tiveram por objetivo impedir que Lula fosse nomeado, evitando o deslocamento de competência. Seria ilógico afirmar que a liminar que suspendeu o ato de nomeação de Lula apenas o impedisse de atuar como o chefe da Casa Civil.

            O que me causa estranheza é a postura da AGU, que ao invés de lutar tão somente pelo Estado buscando a validade da nomeação, mostra total interesse em defender interesses particulares, ao dizer que Lula é o chefe da Casa Civil, porém impedido de exercer a função. Isso é usar o aparato estatal para defender direito particular!

            Como já dito, a liminar foi para suspender o ato de nomeação (em grosso modo, isso significa dizer que é um não ato), ou seja, Lula não é o chefe da Casa Civil, pois aquela nomeação não produziu seus efeitos. Sendo assim o ex-presidente não possui a cláusula da garantia de foro por prerrogativa de função.


Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Bacharel em Teologia
Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OA B/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF na atual gestão.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Lula corre o risco de não ter foro privilegiado

            Nos últimos dias tem se divulgado nos principais jornais que, após a MM. Juíza Maria Priscila Fernandes Veiga de Oliveira da 4ª Vara Criminal em São Paulo declinar da sua competência para julgar a ação penal proposta em desfavor do ex-presidente Lula para a 13ª Vara Federal de Curitiba (Juiz Sérgio Moro), a Presidente Dilma ofereceu um convite ao para o réu ocupar o cargo de Ministro de Estado.

            A especulação é que a nomeação do ex-presidente para o cargo de Ministro de Estado possui objetivo escuso de deslocamento de competência, ou seja, a ação penal seria retirada da 13ª Vara Federal de Curitiba e seria a encaminharia para o Supremo Tribunal Federal.

            Chega a ser temerário dizer que Lula e Dilma querem que a competência saia de um juiz de 1ª instancia e seja encaminhada a mais alta corte do país, que detém o dever jurídico de guardião da Constituição, para que seja beneficiado com o bônus da impunidade. Pois é, pior que a população já não confia na sua mais alta corte!

            Diante de recentes decisões proferidas (Ex. Caso do impeachment da Presidente Dilma) nos últimos anos, a Suprema Corte, hoje composta por sua maioria de Ministros que foram nomeados pelo governo petista, deixou de ter a credibilidade e caiu na desconfiança da população. Meu objetivo não é falar da Suprema Corte, deixemos isso para outra ocasião.

            Essa desconfiança aumenta mais depois da delação premiada do Senador Delcídio Amaral (PT) que afirmou que o Ministro da Educação Aloizio Mercadante teria lhe prometido dinheiro e lobby junto a ministros do Supremo para que o senador deixasse a prisão. (Fonte: Estadão Politica http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-do-stf-diz-estar-perplexo-com-atitude-de-mercadante,10000021354)

            De qualquer forma, em um país governado por pessoas serias, jamais se nomearia um Ministro de Estado uma pessoa que estivesse sendo investigada e denunciada por vários crimes de corrupção, que não possui nenhuma credibilidade perante o povo, ainda que considerando o princípio da presunção de inocência. Isso enfraquece a instituição chamada Estado!

            Voltemos ao tema centra da post! Se a Presidente Dilma e o ex-presidente Lula pretendem dar um golpe contra a democracia do Estado e levar a competência da ação penal para o Supremo, esse objetivo pode ser frustrado.

            O Supremo Tribunal Federal ao julgar a ação penal nº 396/RO, da relatoria da Ministra CÁRMEN LÚCIA, entendeu que a competência por prerrogativa de função (ou prerrogativa de foro) não pode ser utilizada como subterfugio para deslocamento de competências constitucionalmente definidas para atender fins pessoais.

            Vejamos:
QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL. DEPUTADO FEDERAL. RENÚNCIA AO MANDATO. ABUSO DE DIREITO: RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA CONTINUIDADE DO JULGAMENTO DA PRESENTE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. CRIMES DE PECULATO E DE QUADRILHA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE DA AÇÃO PENAL, DE INVESTIGAÇÃO PROMOVIDA POR ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PRIMEIRO GRAU, DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL, DE CRIME POLÍTICO, DE INÉPCIA DA DENÚNCIA, DE CONEXÃO E DE CONTINÊNCIA: VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. PRELIMINARES REJEITADAS. PRECEDENTES. CONFIGURAÇÃO DOS CRIMES DE PECULATO E DE QUADRILHA. AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE.
1. Renúncia de mandato: ato legítimo. Não se presta, porém, a ser utilizada como subterfúgio para deslocamento de competências constitucionalmente definidas, que não podem ser objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de ser aproveitada como expediente para impedir o julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e, neste caso, à definição de penas.
2. No caso, a renúncia do mandato foi apresentada à Casa Legislativa em 27 de outubro de 2010, véspera do julgamento da presente ação penal pelo Plenário do Supremo Tribunal: pretensões nitidamente incompatíveis com os princípios e as regras constitucionais porque exclui a aplicação da regra de competência deste Supremo Tribunal.
3. (...)
4. (...)
5. (...)
6. (...)
7. (...)
8. (...)
9. Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer a subsistência da competência deste Supremo Tribunal Federal para continuidade do julgamento.
10. Preliminares rejeitadas.
11. Ação penal julgada procedente.”

            Em que pese o julgado ser no sentido contrario (Deputado que renuncia para fugir do julgamento do Supremo) a ideia é de que essa competência constitucionalmente garantida não pode e não deve ser considerada quando se verificar fins de interesse pessoal.

            No caso do ex-presidente, com a devida vênia, é notória a intuição de deslocamento de competência, basta apenas uma simples analise do caso em concreto: Lula por diversas vezes não aceitou a possibilidade de ser nomeado Ministro de Estado. Depois da sua condução coercitiva e do deslocamento de competência da 4ª Vara Criminal em São Paulo para a 13ª Vara Federal de Curitiba, o ex-presidente, como num passe de mágica, resolve se agarrar ao cargo de Ministro de Estado.

            É nítido o interesse no deslocamento da competência!

            Ao proferir o seu voto, a Douta Ministra CÁRMEN LÚCIA, diz ser inadmissível que um “ato unilateral de alguém pudesse sobrepujar os objetivos do processo” e mais “é certo que se estaria a adotar o principio da pessoalidade e do voluntarismo sobre a finalidade pública, que domina todas as condutas dos agentes públicos. Ao contrario disso, entretanto, a igualdade de tratamento e a secundariedade dos atos de vontade pessoal predominam no trato da coisa pública, nos comportamentos de governo, nos exercícios de competência, no desempenho de mandatos (Parecer in A OAB e o impeachment. Os. 153 e segs,)”.
                       
            Se o Supremo manter a coerência do julgado acima, certamente a tentativa de afastar o ex-presidente Lula do julgamento do Juiz Sérgio Moro será frustrado. Só nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos de HOUSE OF CARDS Brasil (citação Thomas Fischermann, jornalista Alemão).




Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Bacharel em Teologia
Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OA B/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF na atual gestão.


quarta-feira, 9 de março de 2016

Você sabe o que é Lex Tertia?


                        Lex tertia significa terceira (tertia) lei (lex) e está relacionada à aplicação da lei penal no tempo referindo-se a combinação de duas leis (lei revogadora e lei revogada).

                        Como é cediço, a lei penal não possui efeitos retroativos, ou seja, aplica-se a lei penal vigente ao tempo da prática do fato criminoso, de acordo com o princípio do tempus regit actum. Quer-se dizer que a lei penal produzirá efeitos, em regra, no período da sua vigência, de acordo com a lei vigente na época do fato. Exceção a essa regra ocorrerá nos casos de extra-atividade da lei penal no tempo (retroatividade da lei mais benéfica ao réu ou ultra-atividade da lei mais benéfica ao réu).

                        A chamada lex tertia, como acima informado, é a criação de uma “terceira lei”, resultado da combinação (utilização) parcial de duas ou mais leis na aplicação do direito penal ao caso concreto, desde que o conteúdo parcial utilizado tenha o objetivo de beneficiar o réu. Daí surge a questão, seria possível, aos fatos ocorridos na vigência da lei antiga, aplicar apenas parte mais benéfica da nova lei?
           
                        Existe uma divergência acerca do tema na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de aplicação da lex tertia. Segundo a teoria ponderação unitária defendida por Nelson Hungria, seria impossível a aplicação da lei nova apenas na parte favorável, sob pena de ofensa a separação dos poderes.

                    Em contrapartida, José Frederico Marques defende a teoria da ponderação moderada, segundo a qual é possível a retroatividade apenas de parte da lei nova, desde que sejam favoráveis ao acusado. Para José Frederico Marques, nesses casos, o juiz não estaria legislando mas apenas fazendo a transição, dentro dos limites previamente estabelecidos pelo legislador.

                        O Código Penal Militar, através do art. 2º, §2º, veda a combinação de leis penais:

“Art. 2° Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a própria vigência de sentença condenatória irrecorrível, salvo quanto aos efeitos de natureza civil.
(...)
§ 2° Para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato.

                 Em que pese haver previsão expressa do Código Penal Militar, o Código Penal Brasileiro não faz qualquer referência a lex tertia.

                        O Supremo Tribunal Federal traz dois posicionamentos acerca do tema:
                        1º Informativo 523: O STF entendeu que não é possível a aplicação da lex tertia, sob o fundamento de que estaria admitindo a criação de uma terceira lei, pratica que seria vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro (HC 95.435/RS, Rel.: Ellen Gracie, 7.10.2008).

                        2º Informativo 525: O STF decidiu de forma diversa do informativo 523 e admitiu a combinação de leis, sob o fundamento de que compete ao juiz, dentro dos quadros legais, a integração da lei. (HC 95.435/RS, Rel. Originário: Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão: Cezar Peluso, 21.10.2008).

            Em 2013, o STF (recurso extraordinário 600.817 mato grosso do sul) firmou entendimento, através do seu plenário, de não ser possível a lex tertia, esse posicionamento também é seguido pelo STJ.

Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Bacharel em Teologia
Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OA B/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB/DF no triênio 2012/2014
Membro da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF na atual gestão.