terça-feira, 29 de abril de 2014

Lei Seca e Impunidade?

            A lei nº 9.503 de setembro de 1997, instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, trazendo normas e regulamento condutas e organização do transito e rodovias brasileiras.

            Dentre essas normas, estava prevista infrações administrativa (art. 165) que penalizava o motorista que fosse pego dirigindo sob a influência de álcool em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer outra substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Também estava previsto o crime de embriaguez ao volante (art. 306) ao motorista fosse pego conduzindo veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substancia de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

            Com o aumento do número de crime praticado no trânsito pelo consumo excessivo do álcool ao motoristas, a sociedade passou a exigir uma resposta por parte do Estado para coibir as inúmeros mortes e acidentes provocados nos últimos anos.

            O poder público na tentativa de dar uma resposta ao povo brasileiro instituiu a Lei nº 11.705 de 2008, aplicando alterações nos art. 165 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que passaram a ter as seguintes redações:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.”

Art. 306.  Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) ”

            Note-se que o art.165 do CTB deixou de exigir a quantidade de 6 decigramas de álcool por litro de sangue e passou a considerar como infração administrativa dirigir sob a influência de álcool.

            Já o art. 306 do também CTB passou a exigir a concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue, para configurar o crime de embriaguez ao volante, desconsiderando a direção sob a influência de álcool.

            O legislador ao dar uma resposta a sociedade facilitou a constatação da infração administrativa prevista no art. 165 do CTB, bastando apenas que o motorista esteja sobe a influência de álcool, o que pode ser provado por qualquer meio de prova admitida (ex. exame clínico, motorista dirigindo em zig zag e etc.). O mesmo não aconteceu para a tipificação do crime previsto no art. 306 do CTB, que para sua configuração passou a exigir a presença de 6 decigramas de álcool por litro de sangue, o que só pode ser constatado por exame de sangue ou etilômetro (0,3 décimos de miligramas por litro de ar).

            Assim que entrou em vigor a Lei nº 11.705 de 2008, houve uma significante redução do número de acidentes, que no ano de 2006 atingiu o alarmante número de 38.273 mortes no trânsito. Mesmo com a redução significativa, o resultado não foi almejado, do ano de 2009 para 2010, após ter diminuído a fiscalização da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito brasileiro em toda nossa historia: 13,96%, daí surgindo um novo clamor social e mais uma resposta por parte do ente público.

            No ano de 2012, entrou em vigor a Nova Lei Seca (lei nº 12.760/2012) que alterou novamente os arts. 165 e 302 do CTB, que passaram a ter a seguinte redação:
“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

“Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:          (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1o  As condutas previstas no caput serão constatadas por:           (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou           (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.           (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)
§ 2o  A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.  (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012) 
§ 3o  O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.          (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)

            No caso da infração administrativa do art. 165 houve apenas um endurecimento da penalidade.

            Para a configuração do crime de embriaguez ao volante bastava a concentração de 6 decigramas de álcool no sangue. Com o advento da nova Lei seca além de se exigir a concentração de 6 decigramas de álcool no sangue passou a se exigir a “alteração da capacidade psicomotora” do condutor.

            Em termos jurídicos o crime de embriaguez ao volante era (na vigência da lei anterior) crime de perigo abstrato (aqueles que não exigem a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto), ou seja, presume-se o perigo diante da embriaguez na condução do veículo; agora passou a ser, conforme os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes, livro Nova lei seca: Saraiva, 2013, de “perigo abstrato de perigosidade real”, ou seja, é necessária a prova no processo criminal de que o motorista estava com sua capacidade psicomotora alterada.

            Os crimes de perigo abstrato de perigosidade real é o meio termo entre o crime de perigo abstrato presumido (por grande parte da doutrina definido como inconsticional) e o crime de perigo concreto que exige uma vítima concreta para sua caracterização.

            O legislador passou a exigir a alteração da capacidade psicomotora para diferenciar o crime do art. 306 da infração administrativa do art. 165 do CTB.

            Nas infrações administrativas continuou bastar dirigir embriagado (basta a prova da embriaguez), enquanto no crime de embriaguez ao volante é preciso prova da embriaguez + prova da alteração da capacidade psicomotora.

            Não foi a alteração legislativa que diminuiu os casos de acidente no trânsito e, sim a fiscalização realizada em virtude da alteração dos artigos do CTB. Cada alteração legislativa do art. 306 do CTB criou dificuldades para a penalização criminal dos condutores embriagados.

            Apesar de ter dificultado a penalização criminal dos condutores embriagados não podemos afirmar que a Nova Lei Seca trouxe impunidade. Juridicamente falando, nenhum motorista embriagado escapa das sanções, porque ou está enquadrado no ilícito administrativo ou no ilícito penal porque nosso ordenamento não tolera nenhuma quantidade de álcool, salvo em casos irrisórios.

            Nas sábias palavras de Luis Flávio Gomes: “Para incidir a pena de prisão (que é muito grave) é preciso que corra um crime. Sem este, as penas são administrativas (e são duras). A desgraça é que o povo e a mídia entendem como punição exclusivamente a prisão. Essa é a desgraça. Desgraça lançada no final do século XVIII e começo do século XIX pelo sistema penal burguês, que começou a mandar todo proletário para a cadeia. Aí o povo passou a entender que punição é cadeia. Fora dela, não é punição. Errado entendimento.”

            As penas administrativas do CTB são duríssimas e se houvessem fiscalização de qualidade por parte do poder público elas seriam aplicadas sem trégua, evitando inúmeras mortes. Acontece que entre o sistema da pena aplicada de forma certa e infalível (sistema de Beccaria) e o sistema da pena desproporcional, irracional e desequilibrada que quase nunca é aplicada, o Brasil optou por este último.

            Portanto, o problema não está na legislação punitiva brasileira que não é branda e se enquadra entre as 12 (doze) mais severas do planeta e sim nos órgãos e fiscalização.

LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OAB/DF



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