O
Supremo Tribunal Federal iniciou julgamento do recurso extraordinário em que se
discutia a possibilidade ou não da aplicação dos efeitos extrapenais acessórios
(confisco) da sentença penal condenatória aos casos submetidos a transação
penal da Lei n. 9.099/95.
No
caso julgado, foi instaurado procedimento penal em desfavor do recorrente para
apurar a prática de contravenção tipificada no art. 58 da Lei de Contravenções
penais.
Quando
da lavratura do termo circunstanciado, por se tratar de crime de menor
potencial ofensivo, fora apreendida uma motocicleta de propriedade do
recorrente em virtude de suposto uso na execução do ilícito.
Feita
proposta de transação penal, nos termos da Lei n. 9.099/95, aceita pelo
recorrente e integralmente cumprida, houve a sentença extintiva da
punibilidade, a qual, impôs a perda da motocicleta apreendida. Diante da perda
do bem, o recorrente sustentou que somente a sentença condenatória poderia
produzir o confisco de bens como efeito automático, sob pena de ofensa ao direito de propriedade, porquanto não observado o devido
processo legal; afronta ao princípio da presunção de inocência, uma vez que
teriam sido aplicados à transação os efeitos equivalentes ao ato de confissão.
Ao julgar o recurso, o Ministro relator Teori
Zavascki deu provimento ao recurso, considerando violadas as garantias
constitucionais do art 5º, XXII, LIV, LV e LVII. O relator ainda destacou que a Lei 9.099/1995 introduziu
no sistema penal brasileiro o instituto da transação penal, que permite a
dispensa da persecução penal pelo magistrado em crimes de menor potencial
ofensivo, desde que o suspeito da prática do delito concorde em se submeter,
sem qualquer resistência, ao cumprimento de
uma pena restritiva de direito ou multa que lhe tenha sido oferecida por
representante do Ministério Público em audiência (art. 76). Assim, a lei
relativizara, de um lado, o princípio da obrigatoriedade da instauração da
persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade, e, de
outro, autorizara o investigado a dispor das garantias processuais penais que o
ordenamento lhe confere. Aduziu ainda que as consequências geradas pela
transação penal seriam apenas as definidas no instrumento do acordo. Além
delas, enfatizou que o único efeito acessório gerado pela homologação do ato
estaria previsto no § 4º do art. 76 da Lei 9.099/1995 (“... registrada apenas
para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos”). Observou que
os demais efeitos penais e civis decorrentes das condenações penais não seriam
constituídos (art. 76, § 6º). Asseverou que a sanção imposta com o acolhimento
da transação não decorreria de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade
do investigado. Tendo isso em conta, reputou que se trataria de um ato judicial
homologatório. Salientou, também, que o juiz, em caso de descumprimento dos
termos do acordo, não poderia substituir a medida restritiva de direito
consensualmente fixada por uma pena privativa de liberdade compulsoriamente
aplicada.
Foi consignado pelo Ministro, que as consequências jurídicas extrapenais previstas nos parágrafos do art. 91 do CP, dentre as quais a do confisco de instrumentos do crime (art. 91, II, a) e de seu produto ou de bens adquiridos com o seu proveito (art. 91, II, b), só poderiam ocorrer como efeito acessório, reflexo ou indireto de uma condenação penal.
O
relator seguiu o raciocínio de que, apesar de não possuírem natureza penal
propriamente dita, não haveria dúvidas de que esses efeitos constituiriam
drástica intervenção estatal no patrimônio dos acusados, razão pela qual sua
imposição só poderia ser viabilizada mediante a observância de um devido
processo, que garantisse ao acusado a possibilidade de exercer seu direito de
resistência por todos os meios colocados à sua disposição.
As
medidas previstas no art. 91 do Código Penal, para serem aplicadas, exigem
juízo prévio a respeito da culpa do investigado, não podendo jamais ser
aplicada compulsoriamente, sob pena de violação do devido processo legal. A incidência
do art. 91 do Código Penal sem que se tenha um processo com sentença condenatória
é plenamente contraria aos postulados constitucionais.
Por
fim o Supremo Tribunal Federal entende que, no caso, o excesso do decreto de
confisco residiria no fato de que a aceitação da transação revertera em prejuízo
daquele a quem deveria beneficiar (o investigado), pois produzira contra ele um
efeito acessório — a perda da propriedade de uma motocicleta — que se revelara
muito mais gravoso do que a própria prestação principal originalmente avençada
(pagamento de cinco cestas de alimentos). Logo, o recorrente fora privado da
titularidade de um bem sem que lhe fosse oportunizado o exercício dos meios de
defesa legalmente estabelecidos. Após os votos dos Ministros Roberto Barroso,
que realçou a licitude do bem apreendido, e Rosa Weber, ambos no mesmo sentido
do relator, pediu vista dos autos o Ministro Luiz Fux.
Acertada a decisão do Ministro Teori Zavascki, pois não houve demonstração de que o acusado teria praticado ou não o fato típico descrito em lei. Se não foi oportunizado o direito de defesa e se o réu continuou a ser considerado inocente, não há que se falar em perdimento dos bens, sob pena de violação dos postulados constitucionais.
Agora
é aguardar como terminará o julgamento com o voto do Ministro Luiz Fux.
Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte
Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete
do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Membro da Comissão de Direito
Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da
OAB/DF
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