segunda-feira, 7 de julho de 2014

Informativo n. 748 do STF: Transação penal e efeitos próprios de sentença penal condenatória

            O Supremo Tribunal Federal iniciou julgamento do recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade ou não da aplicação dos efeitos extrapenais acessórios (confisco) da sentença penal condenatória aos casos submetidos a transação penal da Lei n. 9.099/95.

            No caso julgado, foi instaurado procedimento penal em desfavor do recorrente para apurar a prática de contravenção tipificada no art. 58 da Lei de Contravenções penais.

            Quando da lavratura do termo circunstanciado, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo, fora apreendida uma motocicleta de propriedade do recorrente em virtude de suposto uso na execução do ilícito.

            Feita proposta de transação penal, nos termos da Lei n. 9.099/95, aceita pelo recorrente e integralmente cumprida, houve a sentença extintiva da punibilidade, a qual, impôs a perda da motocicleta apreendida. Diante da perda do bem, o recorrente sustentou que somente a sentença condenatória poderia produzir o confisco de bens como efeito automático, sob pena de ofensa ao direito de propriedade, porquanto não observado o devido processo legal; afronta ao princípio da presunção de inocência, uma vez que teriam sido aplicados à transação os efeitos equivalentes ao ato de confissão.

            Ao julgar o recurso, o Ministro relator Teori Zavascki deu provimento ao recurso, considerando violadas as garantias constitucionais do art 5º, XXII, LIV, LV e LVII. O relator ainda destacou que a Lei 9.099/1995 introduziu no sistema penal brasileiro o instituto da transação penal, que permite a dispensa da persecução penal pelo magistrado em crimes de menor potencial ofensivo, desde que o suspeito da prática do delito concorde em se submeter, sem qualquer resistência, ao cumprimento de uma pena restritiva de direito ou multa que lhe tenha sido oferecida por representante do Ministério Público em audiência (art. 76). Assim, a lei relativizara, de um lado, o princípio da obrigatoriedade da instauração da persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade, e, de outro, autorizara o investigado a dispor das garantias processuais penais que o ordenamento lhe confere. Aduziu ainda que as consequências geradas pela transação penal seriam apenas as definidas no instrumento do acordo. Além delas, enfatizou que o único efeito acessório gerado pela homologação do ato estaria previsto no § 4º do art. 76 da Lei 9.099/1995 (“... registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos”). Observou que os demais efeitos penais e civis decorrentes das condenações penais não seriam constituídos (art. 76, § 6º). Asseverou que a sanção imposta com o acolhimento da transação não decorreria de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado. Tendo isso em conta, reputou que se trataria de um ato judicial homologatório. Salientou, também, que o juiz, em caso de descumprimento dos termos do acordo, não poderia substituir a medida restritiva de direito consensualmente fixada por uma pena privativa de liberdade compulsoriamente aplicada.

            F
oi consignado pelo Ministro, que as consequências jurídicas extrapenais previstas nos parágrafos do art. 91 do CP, dentre as quais a do confisco de instrumentos do crime (art. 91, II, a) e de seu produto ou de bens adquiridos com o seu proveito (art. 91, II, b), só poderiam ocorrer como efeito acessório, reflexo ou indireto de uma condenação penal.

            O relator seguiu o raciocínio de que, apesar de não possuírem natureza penal propriamente dita, não haveria dúvidas de que esses efeitos constituiriam drástica intervenção estatal no patrimônio dos acusados, razão pela qual sua imposição só poderia ser viabilizada mediante a observância de um devido processo, que garantisse ao acusado a possibilidade de exercer seu direito de resistência por todos os meios colocados à sua disposição.

            As medidas previstas no art. 91 do Código Penal, para serem aplicadas, exigem juízo prévio a respeito da culpa do investigado, não podendo jamais ser aplicada compulsoriamente, sob pena de violação do devido processo legal. A incidência do art. 91 do Código Penal sem que se tenha um processo com sentença condenatória é plenamente contraria aos postulados constitucionais.

            Por fim o Supremo Tribunal Federal entende que, no caso, o excesso do decreto de confisco residiria no fato de que a aceitação da transação revertera em prejuízo daquele a quem deveria beneficiar (o investigado), pois produzira contra ele um efeito acessório — a perda da propriedade de uma motocicleta — que se revelara muito mais gravoso do que a própria prestação principal originalmente avençada (pagamento de cinco cestas de alimentos). Logo, o recorrente fora privado da titularidade de um bem sem que lhe fosse oportunizado o exercício dos meios de defesa legalmente estabelecidos. Após os votos dos Ministros Roberto Barroso, que realçou a licitude do bem apreendido, e Rosa Weber, ambos no mesmo sentido do relator, pediu vista dos autos o Ministro Luiz Fux.

            Acertada a decisão do Ministro Teori Zavascki, pois não houve demonstração de que o acusado teria praticado ou não o fato típico descrito em lei. Se não foi oportunizado o direito de defesa e se o réu continuou a ser considerado inocente, não há que se falar em perdimento dos bens, sob pena de violação dos postulados constitucionais.


            Agora é aguardar como terminará o julgamento com o voto do Ministro Luiz Fux.


Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OAB/DF

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