quarta-feira, 28 de maio de 2014

BUSCA DOMICILIAR COM CONSENTIMENTO DO DETIDO SEM MANDADO JUDICIAL

            Situação corriqueira e pouco abordada nos livros, julgados e faculdade de direito é quando o sujeito preso em flagrante leva os policiais até sua residência para que façam a busca e apreensão com seu “consentimento”. O doutrinador Aury Lopes Jr. ensina no seu livro de Direito Processual Penal, 11ª ed., p. 729, que nessas ocasiões, o consentimento do detido deve ser viciado e, portanto, deve ser considerada ilegal a busca domiciliar, diante do inegável constrangimento situacional.

            Tema pouco explorado pelos operadores do direito no Brasil, o Tribunal Supremo da Espanha (STS, 13 de junho de 1992) já havia entendido que nesses casos, o detido não tem condições de expressar livremente sua vontade diante da existência de uma ‘intimidação ambiental’ que macula o ato.

            Embora seja um assunto pouco abordado, quando questionado pela defesa, os tribunais pátrios ignoram a situação e continuam com a política da tolerância zero, querendo punir o sujeito sem respeitar as regras (princípios) e legislação vigente. Entretanto, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através do voto do Des. Diógenes V. Hassan Ribeiro,  rompeu com a posição e decidiu pela ilegalidade da busca e apreensão com o consentimento do detido e sem ordem judicial.

            No voto ficou decidido que a policia só poderá realizar a busca e apreensão em residência com mandado judicial. Entendeu o desembargador que a regra não pode ser quebrada nem mesmo se o dono da casa autorizar a entrada dos oficiais, ante a inexistência de previsão constitucional que ampare a busca policial em domicilio com a autorização apenas do investigado.

            O relator destacou ainda que o consentimento para entrar na residência (art. 5º, inciso XI, da CF/88)    não autoriza buscas sem determinação judicial. Caso contrario, os Mandados de Busca e Apreensão seria dispensáveis, já que a policia poderia conseguir, extrajudicialmente, o “consentimento”do proprietário.

            Confira alguns trechos do voto: 
            "(...) Ora, se a Constituição estabelece que a casa é asilo inviolável, isso significa dizer que apenas e tão-somente em estrita observância dos casos previstos em lei é que se pode proceder ao ingresso na residência alheia. Entre tais hipóteses, a mera suspeita de prática de ilícito criminal não é apta a relativizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio (...)".

            " (...) É verdade, e isso fica confirmado, que no Brasil se investiga de menos — e mal — e se acusa demais — e mal —, crendo que o Poder Judiciário, o guardião das liberdades, que detém — ou deve deter — o atributo da imparcialidade, deva se compadecer com acusações de fatos graves que não apresentam prova clara, esclarecedora, definitiva, da versão acusatória. No caso dos autos, impunha-se maior e melhor investigação (...)”.


            Brilhante a decisão do TJRS que tem se destacado por combater, em vários julgados, a política de tolerância zero. Para se punir penalmente alguém, devem ser observada as regras contidas na Constituição da República e no Código de Processo Penal. Por mais grave que o fato seja, não se pode ultrapassar os limites estabelecidos pela lei, sob pena de voltarmos a época da tirania.

Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OAB/DF

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