Situação corriqueira e pouco abordada nos livros,
julgados e faculdade de direito é quando o sujeito preso em flagrante leva os
policiais até sua residência para que façam a busca e apreensão com seu “consentimento”.
O doutrinador Aury Lopes Jr. ensina no seu livro de Direito Processual Penal,
11ª ed., p. 729, que nessas ocasiões, o consentimento do detido deve ser
viciado e, portanto, deve ser considerada ilegal a busca domiciliar, diante do inegável
constrangimento situacional.
Tema pouco explorado pelos operadores do direito no
Brasil, o Tribunal Supremo da Espanha (STS, 13 de junho de 1992) já havia
entendido que nesses casos, o detido não tem condições de expressar livremente
sua vontade diante da existência de uma ‘intimidação ambiental’ que macula o
ato.
Embora seja um assunto pouco abordado, quando questionado
pela defesa, os tribunais pátrios ignoram a situação e continuam com a política
da tolerância zero, querendo punir o sujeito sem respeitar as regras
(princípios) e legislação vigente. Entretanto, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, através do voto do Des. Diógenes V. Hassan
Ribeiro, rompeu com a posição e decidiu
pela ilegalidade da busca e apreensão com o consentimento do detido e sem ordem
judicial.
No voto ficou decidido que a policia
só poderá realizar a busca e apreensão em residência com mandado judicial.
Entendeu o desembargador que a regra não pode ser quebrada nem mesmo se o dono
da casa autorizar a entrada dos oficiais, ante a inexistência de previsão
constitucional que ampare a busca policial em domicilio com a autorização
apenas do investigado.
O relator destacou ainda que o
consentimento para entrar na residência (art. 5º, inciso XI, da CF/88) não
autoriza buscas sem determinação judicial. Caso contrario, os Mandados de Busca
e Apreensão seria dispensáveis, já que a policia poderia conseguir,
extrajudicialmente, o “consentimento”do proprietário.
Confira alguns trechos
do voto:
"(...) Ora,
se a Constituição estabelece que a casa é asilo inviolável, isso
significa dizer que apenas e tão-somente em estrita observância dos casos
previstos em lei é que se pode proceder ao ingresso na residência alheia. Entre
tais hipóteses, a mera suspeita de prática de ilícito criminal não é apta a
relativizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio (...)".
" (...) É verdade, e isso fica
confirmado, que no Brasil se investiga de menos — e mal — e se acusa demais — e
mal —, crendo que o Poder Judiciário, o guardião das liberdades, que detém — ou
deve deter — o atributo da imparcialidade, deva se compadecer com acusações de
fatos graves que não apresentam prova clara, esclarecedora,
definitiva, da versão acusatória. No caso dos autos, impunha-se maior e melhor
investigação (...)”.
Brilhante
a decisão do TJRS que tem se destacado por combater, em vários julgados, a política
de tolerância zero. Para se punir penalmente alguém, devem ser observada as
regras contidas na Constituição da República e no Código de Processo Penal. Por
mais grave que o fato seja, não se pode ultrapassar os limites estabelecidos
pela lei, sob pena de voltarmos a época da tirania.
Dr. LAERTE QUEIROZ
Advogado do escritório Laerte
Queiroz Advogados Associados
Advogado da Federação de Basquete do Distrito
Federal
Pós-graduado em Ciências Penais
Membro da Comissão de Direito
Administrativo e Controle das Agências Reguladoras da OAB/DF
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